Todos nós estamos acompanhando pela imprensa e pelas redes sociais as controvérsias existentes entre o(s) conceito(s) de arte, de censura, de moral, entre outros. Não quero entrar no mérito da discussão sobre o nu na arte, a liberdade de expressão ou “o que estão fazendo com nossas crianças”. No meio de tantos embates sociais e culturais (estejam eles camuflando ou não a nossa preocupante situação política – o que, pelo menos na prática, tem seu lado de verdade), a meu ver a resposta cristã deve sair de uma dinâmica reativa e passar a uma reflexão mais crítica (no sentido positivo da palavra) sobre os processos culturais que estão por detrás das coisas que nós vemos.

Já está claro que os afamados discursos de ódio presentes no mundo virtual não levam a nada além da produção de mais discursos de ódio. Aliás, se anunciamos ao Deus que é Amor, não existiria nada mais contraditório do que eles. Falando português claro, schoenstattiano não pode ser um simples hater. Pelo contrário, está chamado a ir muito além disso. A atitude do nosso Pai Fundador sempre foi buscar os fundamentos das diferentes manifestações socioculturais para poder falar delas com propriedade. Então, o que será que está realmente detrás de todo esse processo cultural que estamos vivendo?

Tentando olhar mais a fundo, vejo que a “ultracomentada” exposição La Bête não parece ter nada a ver com um abuso propriamente dito, pelo menos na intenção, mas sim com um processo cultural muito mais profundo que é a ausência de valores. Nós católicos acreditamos que as coisas possuem um valor. Isso não é um conceito moralista, trata-se mais bem do fato de que as coisas não são indiferentes. Assim como não dá no mesmo, por exemplo, cumprimentar ou não uma pessoa (por mais que essa diferença tenha seu lado subjetivo e importe mais para uns e menos para outros), existe uma clara diferença entre tocar um corpo nu ou não o tocar, inclusive entre mostrá-lo ou não. Não dá no mesmo, e isso porque o corpo importa.

Um autêntico cristianismo é aquele que reconhece o valor do corpo humano, ou seja, sua dignidade. O corpo não é algo “separado de mim”, não é algo que é indiferente para mim. Se algo acontece com meu corpo, acontece comigo. Em poucas palavras, “o meu corpo sou eu”, e a maneira como eu o valorizo é a maneira como eu me valorizo. Diga-se de passagem, a má compreensão do corpo por parte do cristianismo já são águas passadas, e retrógrado é quem usa isso como argumento. Basta olhar já para o que João Paulo II ensinava em sua Teologia do corpo para entender o corpo humano em sua dimensão mais divina. Basta lembrar que homem e mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus, que Jesus se encarnou e também ressuscitou com um corpo glorioso, ou então lembrar que São Paulo nos diz que nosso corpo é templo do Espírito (1 Co 6,19) para perceber que sim, o corpo importa e tem um valor porque ele possui a dignidade pessoal que Deus nos concedeu. O corpo de uma pessoa tem significados muito pessoais: entrar em contato com ele é entrar em uma intimidade bastante reservada, é entrar em contato com essa dignidade que a pessoa possui. O corpo não é um objeto manuseável de maneira arbitrária; acreditar nisso é reduzi-lo somente à matéria e tirar toda a sua beleza que transcende o que é tangível. É negar o seu valor verdadeiro.

Nossa missão como cristãos é poder criar uma cultura que valorize o corpo segundo a criação de Deus. Criemos a consciência de que nosso corpo somos nós mesmos, em suas limitações e fraquezas, e em sua beleza e intimidade. Nosso corpo não é só matéria, mas possui uma dimensão transcendente porque todo o nosso ser pessoa é uma unidade nele, e é nele que Deus habita.

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